A violência não educa


11 de agosto de 2014
Jornal da Cidade > Atualidade

entrevista-marcelopeixotodemelo.jpg
A Lei Menino Bernardo, mais conhecida como Lei da Palmada, foi aprovada neste ano pela Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados.  A legislação altera o Estatuto da Criança e do Adolescente e estabelece que pais e responsáveis que maltratarem crianças e adolescentes serão advertidos e terão que participar do Programa de Proteção à Família, que oferece cursos e tratamento psicológico ou psiquiátrico. A pessoa vítima do castigo vai receber tratamento especializado.

Para repercutir o tema, conversamos com o professor e advogado especializado em Direito Penal, Marcelo Peixoto de Melo, que se opõe à decisão.

Ele é advogado criminal, especialista em Ciências Penais, mestre em Processo Penal e professor na Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas).  Peixoto é sócio do escritório Colen & Peixoto Advogados, que atende exclusivamente casos do Direito Penal.

Confira a entrevista:
JORNAL DA CIDADE:  Durante gerações e gerações, a palmada foi tida como algo aceitável, ou seja, um valor da família. O que mudou?

MARCELO PEIXOTO DE MELO: A Lei 13.010/14, conhecida como Lei Menino Bernardo ou Lei da Palmada, gerou mudanças. Apesar da referida denominação, o legislador não utilizou no texto legal a expressão palmada. O que mudou é que a partir dela o Estado passou a proibir eventuais “castigos” utilizados pelos pais na criação dos filhos e, para isso, o definiu de forma subjetiva e imprecisa, motivo pelo qual a lei é alvo de crítica dos aplicadores do direto. O mencionado “castigo” foi definido pela Lei como qualquer “ação de natureza disciplinar ou punitiva aplicada com o uso da força física sobre a criança ou o adolescente que resulte em: sofrimento físico ou lesão”, conforme prescreve o artigo 18A, parágrafo único inciso I alínea a e b.

Uma lei como esta é, de fato, necessária ou marca somente a intromissão do Estado na vida e decisão das pessoas?

As leis de uma forma geral têm como finalidade disciplinar a vida em sociedade e as relações do indivíduo e o Estado, regulamentando as condutas permitidas e proibidas, considerando as necessidades globais da sociedade. Defendo a opinião de que a simples criação de mais leis para dar uma satisfação aos altos índices de violência não resolve o problema estrutural, institucional e histórico do nosso país. Tratando-se de educação, a solução para minimizar os problemas seria o fortalecimento das instituições existentes, melhorando infraestrutura e condição de trabalho dos profissionais do ensino.
O atual Código Penal Brasileiro e a Legislação Criminal existente punem qualquer tipo de lesão corporal, maus tratos e tortura ao indivíduo, o que entendo ser mais do que suficiente para tutelar e proteger interesses da sociedade, da família e da educação dos filhos. Devemos nos limitar a criar condições de aplicação para as leis já existentes, ao invés de ampliar a nossa legislação vigente.

Na minha casa, fui criado à base de palmada e hoje não tenho traumas. Por que, então, ela pode ser prejudicial ao meu filho?

Culturalmente, em muitas famílias brasileiras, a “palmada” foi utilizada pelos pais em prol da criação dos filhos sem que isso provocasse nenhum tipo de trauma. Todavia, os argumentos favoráveis à lei são no sentido de que devemos buscar o reconhecimento e as garantias dos direitos da criança e adolescente de superação de um costume arcaico e que a violência não educa.

O pai que der uma palmada no filho é criminoso? Existirão delegacias próprias para receber denúncias das crianças? Como será feita a fiscalização?

A definição da palmada, ou castigo físico, é um dos pontos mais polêmicos, pois, a lei não proíbe taxativamente a palmada. Para que o castigo seja proibido, tem que resultar em sofrimento físico ou lesão. Se um pai der uma leve “palmadinha” no seu filho porque ele faz birra, não cometerá um crime, mas uma infração administrativa. Estará sujeito a encaminhamento para programa oficial ou comunitário de proteção à família; tratamento psicológico ou psiquiátrico; cursos ou programas de orientação; obrigação de encaminhar a criança a tratamento especializado; e advertência. Referidas medidas serão aplicadas pelo Conselho Tutelar sem prejuízo de outras providências legais. Para que seja caracterizado crime, é necessário demonstrar que a criança foi vítima de lesão corporal, maus tratos ou tortura. Qualquer pessoa que presenciar uma ilegalidade ou abuso em relação a uma criança ou adolescente pode noticiar o fato às Polícias Civil e Militar, Ministério Público, Conselho Tutelar, Conselhos de Direitos da Criança e do Adolescente ou entidades não governamentais que atuem na promoção, proteção e defesa dos direitos da criança e do adolescente, conforme assegurado pela Lei nº 13.010/14.

Como agir em situações em que as crianças tiram os pais do sério ou ultrapassam limites, como birras e escândalos em lugares públicos?

A educação dos filhos deve estar centrada exclusivamente em uma cultura de paz. De acordo com a hermenêutica da lei – sentido por ela esperado e pelo legislador – o diálogo e o bom exemplo devem ser o único instrumento utilizado na criação dos filhos.

Me parece que gritar com a criança é, muitas vezes, tão traumático quanto bater. Não faria sentido termos, também, a Lei do Grito?

A hipotética situação do grito com uma criança deve ser analisada dentro do contexto em que estiver inserido. Digo isso porque a Lei da Palmada criou um tópico para tratamento cruel ou degradante, contudo para a ocorrência dessa situação seria necessário que o eventual grito provocasse humilhação, ameaça ou situação que ridicularize o menor.

PERFIL
Nome completo: Marcelo Peixoto Melo
Data de nascimento 29 de março de 1977
Hobby  Passear por aí, seja de moto, bicicleta ou a pé
Um livro  “Cem Dias Entre o Céu e o Mar”, de Amir Klink
Um filme ou disco O compacto “Blowin’ In The Wind”, de Bob Dylan, lançado em agosto de 1963. “Soprando ao vento…”
Uma frase ”Um dia é preciso parar de sonhar e, de algum modo, partir”, de Amyr Klink

Voltar